terça-feira, 26 de março de 2013

[Review] Marvels | Kurt Busiek e Alex Ross

Não foi fácil me decidir sobre qual seria o conselho ideal para o leitor pouco familiarizado com o universo Malvel e que deseja ler Marvels. Digo isso, porque quando eu li a obra, eu estava precisamente nessa situação. Na época, tinha pouca familiaridade com os personagens da Casa das Ideias, fazendo com que a leitura não primasse pela desenvoltura que certamente ela possui com leitores mais maduros nesse aspecto. Pois bem, ocorre que justamente em virtude da leitura obra (a rigor, da minissérie) que me interessei em querer ler mais sobre os heróis que povoam as suas páginas. 

Por isso o impasse sobre o que recomendar ao leitor neófito: ler a obra correndo o risco dela não ser apreciada em sua integralidade ou esperar, deixando para ler quando o leitor conhecer mais de seus personagens? Depois de alguma reflexão percebi o quão enganado estava sobre a questão toda. 

A verdade é que seria um contrassenso não recomendar a qualquer pessoa que gosta de quadrinhos que deixasse de ler essa obra ímpar. Ainda que a primeira leitura possa não flua adequadamente, nada impede que leitor interessado não faça a sua releitura tempos depois. Aliás, essa talvez seja a melhor forma de ter contato com a obra, permitindo que o leitor perceba o quão a obra melhora de uma leitura pra outra.


Isso acontece porque a forma como Kurt Bursiek trabalhou com a mitologia da editora em Marvels é assombroso. Parece-me inédito que uma obra trabalhe tanto com uma metalinguagem tão precisa e detalhada quanto a que é feita aqui. Mais do que uma homenagem ao universo Marvel, a dupla Bursiek e Ross fizeram, seja lá como, uma releitura dos clássicos baseada estritamente nas histórias clássicas. É o método de retroalimentação aplicada aos quadrinhos.

Em Marvels acompanhamos o ponto de vista do jornalista fotográfico Phil Sheldon desde os primeiros anos da revelação dos super-heróis. No Tomo Um vemos o aparecimento do Tocha Humana e de Namor e de toda o conflito que surge entre os dois. O ano é 1939 e os Estados Unidos ainda se achavam gratos por estar fora da guerra que assolava a Europa na época. Foi até Tocha Humana fazer sua primeira aparição pública e dar início a "Era das Maravilhas", nome dado inclusive à essa primeira parte de Marvels.

No tomo dois testemunhamos o surgimento dos X-Men ao mesmo em que os heróis clássicos consolidam seu prestígio junto a sociedade civil. No três, a trama central focou na ameaça de Galactus e nas batalhas que se seguiram a partir do seu surgimento. Por fim, no Tomo Quatro, a história é focada nos primeiros anos de atividade do Homem-Aranha.

Todo o roteiro está amplamente baseado em fatos, digamos, "reais", porque ela continuamente faz referências a ocorrências que de fato ocorreram nos quadrinhos durante a época. A entrevista coletiva dado pelo pai do Tocha, Dr. Horton, aconteceu originalmente na revista Marvel Comics #1 de novembro de 1939. Outro evento, o confronto entre Tocha Humana e Namor, foi retratado nas edição 7 a 10 da Marvel Mystery Comics, de maio de 1940. No tomo dois, há o casamento de Reed Richards e Susan Storm do Quarteto Fantástivo, por sua fez originalmente mostrado em Fastastic Four Annual #3. Todas essas correlações estão apontadas nos extras do encadernado da Panini.

Ainda nos extras, há uma interessante seção onde os criadores da obra comentam as diversas inserções e referências utilizadas na composição das cenas. A título ilustrativo, há um quadro no quarto tomo da minissérie onde aparece Clark Kent, Louis Lane e Jimmy Olsen na figuração de uma festa. Detalhes como este estão por toda a parte, enriquecendo ainda mais a obra.

Galactus vista de baixo, da forma que
ele seria visto por um cidadão comum
O grande feito de Kurt Busiek foi juntar todas essas histórias das origens da Marvel em uma única história, sob um ponto de vista muito pouco utilizado, o do cidadão comum. Sempre vemos as cidades serem destruídas nas batalhas, mas quantas vezes vemos o drama da reconstrução da cidade depois que elas acontecem? As pessoas comuns aparecem correndo fugindo do perigo das batalhas, mas quantas vezes descobrimos para onde eles correm? Estariam atrás da família, visando protegê-la do perigo? Ou estaria apenas atrás de um lugar seguro e, de preferência, com vista privilegiada?

Sem dúvida, Marvels é, com o perdão do trocadilho, uma obra maravilhosa. A arte de Alex Ross, lindamente pintada, o roteiro meticulosamente elaborado e, acima de tudo, a visão histórica lançada sobre todo o universo Marvel, fazem dela uma obra extremamente original e digna de se figurar entre as maiores do gênero. Contudo, não se pode afirmar que a série está imune a críticas, como nenhuma outra está.

A proposta de povoar a trama de referências históricas do universo Marvel comprometeu, ainda que sensivelmente, a fluidez da trama, ao passo que além de afetar no aprofundamento dos acontecimentos centrais, também saturou a trama com fatos pouco ou nada importantes, alienando a atenção do leitor. Isso se deu precisamente devido a própria proposta da obra, que é resgatar a cronologia Marvel dentro de uma única linha narrativa. Na verdade, a dupla criativa se mostrou muito hábil em evitar um completo sobrecarregamento da trama, mas eliminar esse efeito colateral por inteiro é de fato quase impossível. Melhor então comprometer um pouca a fluidez da leitura, mas entregar um material tecnicamente acurado e bem executado.

De fato, não como negar tais qualidades à Marvels, que nasceu predestinado a se tornar um clássico do gênero e a lançar novas perspectivas aos quadrinhos de heróis.


Marvels - Edição de 10º Aniversário
**** (8,5)
Marvel | janeiro a abril de 1994
Panini | maio de 2010 (2ª edição)
Roteiro: Kurt Busiek
Arte: Alex Ross

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